O Brasil é um país muito peculiar no que diz respeito à sua cultura automotiva. Não deixa de ser sempre surpreendente a constatação dos motivos que levam a maioria dos consumidores a optar pelos líderes de cada segmento. Porém, ainda que a fama do carro e a confiança na marca sejam motivos fortes para se escolher um carro por aqui, o ciclo de renovação de nossa frota costuma ser muitíssimo longo, mais que o razoável. Vamos combinar que, se o ciclo fosse mais curto, ninguém ficaria triste. Todo carro merece uma renovação.
E falando em renovação, a bola da vez é o Uno, um dos “jurássicos” de nosso mercado, nascido Uno, rebatizado como Uno Mille e outra vez como Mille, que vendia (e ainda vende) como pão quente mas já merecia uma repaginada completa. Foi o que a Fiat fez: de qualquer ângulo que se olhe, não há um item sequer compartilhado com a velha “botinha ortopédica – ainda que suas linhas, de forma geral, remetam ao primeiro modelo, num resultado denominado pela própria marca como “quadrado arredondado”. Há quem tenha detestado a falsa grade dianteira (os quadradinhos à esquerda), bem como quem tenha achado as rodas pequenas demais para as caixas ou os faróis grandes demais em relação ao todo. Por outro lado, há quem tenha enxergado no novo Uno o must da modernidade, da beleza ou da inovação em design. O que dá pra dizer é que, no mínimo, ele ficou bastante interessante.
Mas beleza não põe mesa; o que importa é saber se o novo Uno é um bom produto. E a lógica diz que uma boa análise começa a partir da acomodação ao volante. Com isso vieram 2 boas surpresas e a primeira decepção. Uma das surpresas foi ver como as portas fecham bem, sem esforço e sem aquele barulho de metal contra metal bem característico do Mille. Não chega a ser abafado como um Corolla, mas fica no mesmo nível do Punto – e isso mostra preocupação com a qualidade de construção. A outra foi a boa impressão em relação ao acabamento e ao layout da cabine, especialmente do novo painel de instrumentos à la Fiat 500. Já a decepção foi constatar como o novo Uno é apertado, pelo menos para motoristas mais altos. O problema não é o espaço para a cabeça, bastante suficiente, mas sim a posição do banco – que não chega tanto para trás quanto esperei – e do volante – que se não tiver ajuste de altura vai massacrar as pernas. Nem descendo o encosto consegui ficar confortável. E isso mostra que o Uno não é carro para gente grande, no sentido mais literal da palavra.
Atrás, por incrível que pareça, me acomodei melhor que na frente. Mas, claro, ele não é lá uma Brastemp. O espaço é razoável, no mesmo nível do velho Mille – em que pese a pouca distância entreeixos, de 2,38 metros. Pelo menos ele é alto e, em tese, tem boa largura útil para um compacto (o Ford Ka tem exatamente a mesma largura – 1,64m –, mas o formato de caixote do Uno faz o interior ser mais bem aproveitado). O portamalas está na média, com 280 litros (ou 290, se você regular o encosto do banco traseiro na posição mais vertical).
Todo mundo sabe que, hoje em dia, 88 cv e 12,5 kgfm de torque num motor 1.4 é pouco. O 1.4 do Agile, por exemplo, rende 102 cv e tem 1 kgfm a mais de torque. Mas pouca potência nem sempre é ruim, se o carro for leve – é o caso do Uno. São somente 925 kg distribuídos num corpo pequeno, e isso traduz-se em agilidade. No comparativo da Quatro Rodas de Junho entre Agile e Uno, o Fiat saiu-se melhor em aceleração e retomadas, e isso acaba de vez com a fama de lerdeza dos motores 1.4 da Fiat. Aliás, não somente lerdeza, mas aspereza também. O novo Uno 1.4 é bem mais suave em funcionamento e o nível de ruído é aceitável para o segmento. Mas o 1.0...
Ok, ele não estava amaciado. Tinha mil e poucos km marcados no hodômetro. Mesmo assim, conhecendo a agilidade do Mille em arrancadas e retomadas, foi impossível não ficar frustrado com a falta de disposição do novo motor. Tendo como comprovação técnica a marca obtida no teste da Quatro Rodas, de 17,1 segundos da imobilidade até 100 km/h, fica fácil constatar que ele é lerdinho, mesmo. Carros mais antigos, como os GM Celta, Prisma e Classic, e ainda o novo Gol (sem falar no próprio antecessor, o Mille) fazem o mesmo em menos de 15 segundos. Ao menos ele é, assim como seu irmão com motor maior, gostoso de dirigir (pessoas de menor estatura o acharão melhor ainda). Seu acerto de suspensão fica num meio-termo entre Palio e Mille. É confortável, mas nem de longe lembra o Palio, que sempre achei molenga demais. Ficou estável sem ser duro e confortável sem ser mole. Well done, Fiat.
Em equipamentos, ele dá um banho na concorrência. Não necessariamente nos equipamentos de série, mas na possibilidade de personalização. Nenhum carro do segmento dos subcompactos jamais apresentou tamanha variação entre itens de conforto, tecnológicos, de design e de segurança. Neste aspecto ele está mais para o Fiat 500, o que é ótimo. Mas calma, tudo tem seu preço. A versão mais em conta é a Vivace 1.0, que sai, no site da Fiat, por R$ 27.350,00 e traz de série o essencial e mais porta-objetos nas portas dianteiras, apoios de cabeça traseiros, banco traseiro rebatível e com 2 posições para o encosto, econômetro e Fiat Code. Os cintos traseiros são de 3 pontos, mas fixos (o central é abdominal). Parachoques, maçanetas e capas de retrovisores são cinzas. E as rodas são aro 13.
Subindo um pouco na hierarquia, temos o Way 1.0, que tem a mais todo o preparo estético da versão e ainda porta-revistas nos encostos dos bancos dianteiros e rodas de 14 polegadas com pneus 175/65, por R$ 28.490,00. A versão Attractive 1.4 sai por R$ 31.080,00 e traz a mais, de série, apoio para o pé esquerdo, cintos traseiros laterais retráteis de 3 pontos, abertura interna de tanque e portamalas, console no teto, contagiros, espelhos nos dois para-sóis, porta-óculos, lavador e limpador do vidro traseiro e portaluvas iluminado. Por último – a mais cara de todas – vem a Way 1.4, que custa R$ 31.870,00 e traz a mais nada além da estética da versão e pneus de uso misto.
Os preços das versões básicas até se equiparam com os de seus concorrentes. Mas o problema está justamente naquilo que é o diferencial: a personalização. Para deixar, por exemplo, o Vivace 1.0 bem bonitinho, com parachoques e maçanetas pintados, rodas com aro 14 e mais ar, direção, vidros e travas, você pula do preço inicial para R$ 32.880,00. Até aí tudo bem, porque outros subcompactos equipados também custam isso. Só não dá para engolir o preço de R$ 40.549,00 (sem contar acessórios) da versão Attractive completa e absurdos R$ 42.369,00 pela Way completa. Ainda que venha recheado de equipamentos, fica difícil pensar num modelo pequeno com preço de hatches compactos premium mais espaçosos, potentes e praticamente com o mesmo nível de equipamentos.
Mas voltemos à idéia da personalização. Certo, o preço de certas versões não compensa; contudo, a iniciativa sim. Basta pensar nisso como um diferencial do modelo, não como algo que vá ser adquirido por todos. O maior mérito da Fiat está no fato de oferecer um carro que, vez ou outra, vai ser adquirido completo, talvez cheio de acessórios, mas que, nesta configuração, será certamente visto como um carro de imagem. E que outra montadora tem em seu portfólio um carro subcompacto de imagem? Some a isso o fato de o Uno ter histórico de confiabilidade, ser bem acabado, gostoso de dirigir, econômico (média de 8,4 km/l na cidade e 11,5 na estrada, com álcool) e, apesar de isso ser critério subjetivo, bonitinho. Está aí a receita do sucesso. Se cuida, Gol.