sexta-feira, 16 de março de 2012

ESSA LEI PEGA?


Fernando Calmon




O Brasil, como se sabe, desenvolveu um estranho hábito em relação à legislação. Ficou célebre a frase muito repetida: “Há lei que pega e há lei que não pega”. Não deveria ser assim. O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) tem, entre suas atribuições constitucionais, estudar, discutir e aprovar resoluções que regulam vários dos aspectos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em especial as normas de segurança.



Poucos sabem, porém antes mesmo do Congresso Nacional obrigar os fabricantes e importadores de veículos leves a instalar bolsas infláveis (air bags), o Contran já tinha regulado a matéria e de uma forma mais inteligente. Estabeleceu critérios biomecânicos a serem respeitados nos testes de colisão, criou um cronograma até 1º de janeiro de 2014 e não engessou a solução técnica. No futuro, as bolsas podem sofrer uma evolução ou outros recursos modernos surgirem e o Legislativo, nesse caso, só atrapalhou na ânsia de aparecer sob os holofotes.


O exemplo mais recente de lei que até agora não pegou são os vidros escurecidos nos automóveis além dos limites legais e técnicos. Quando o Código de Trânsito Brasileiro foi promulgado há 14 anos, ficou proibido o trânsito de veículos com qualquer tipo de película aplicada aos vidros. Pouco depois, a Resolução 73 do Contran estabeleceu que a transmitância luminosa mínima do conjunto vidro mais película teria de ser 75% para o vidro do para-brisa, 70% para os laterais dianteiros e 50% para os laterais traseiros e vigia.


A lógica é de que o motorista precisa ter a visibilidade assegurada também no período noturno e sob qualquer condição meteorológica (noite, chuva forte, neblina), além de túneis e garagens, mesmo que durante o dia parecer tratar-se de um acessório aparentemente inofensivo. Também dificulta ver o pedestre e o ciclista, receber sinais de outros condutores ou observar a terceira luz de freio de outros veículos através do vigia do carro à frente.
Além disso, perceber o motorista e seu acompanhante é de particular importância para policiais numa situação de risco, sequestro ou de eventual agressor armado. Agentes de trânsito também não conseguem flagrar transgressões do motorista, quando dirigem de forma inadequada.


O fato é que há um expressivo aumento do número de veículos com películas escurecedoras nos vidros e transmitância luminosa visivelmente abaixo da mínima regulamentar. Ocorre que, praticamente, 100% dos automóveis já saem de fábrica com vidros verdes e, no caso dos dianteiros, apenas películas de segurança (antivandalismo) totalmente transparentes poderiam ser aplicadas. A fiscalização dependia de um equipamento para verificar a transmitância luminosa, que não existia no mundo, atendendo as exigências do Denatran, órgão executor.


Finalmente, há menos de um ano, o aparelho fabricado no país foi homologado e está pronto para entrar em uso. No entanto, precisa ser adquirido para o policiamento de trânsito urbano e rodoviário. Como a lei parece letra morta, inicialmente apenas o Detran do Distrito Federal comprou 20 unidades e as utiliza em vistorias nos veículos transferidos de propriedade e de outras cidades. O órgão pretende iniciar uma campanha educativa antes da fiscalização nas ruas em 2012.


Segundo a TV Brasil, outros seis estados também adquiriram os aparelhos de medição. Já se prevê enorme resistência, principalmente de autoridades, que deveriam dar o exemplo em um país assolado por acidentes de trânsito.


Especial atenção a esse problema deveria estar nas considerações de concessionárias de todo o País, que costumam dar como brinde o conjunto de películas escurecedoras. Colocá-las nos vidros dianteiros sujeita o motorista a receber multa de R$ 127,69, cinco pontos no prontuário e, pior, detenção do carro até a retirada do objeto da transgressão. Trata-se de uma situação bastante constrangedora e que, na grande maioria das vezes, o usuário desconhece. Afinal, há diversas “vantagens” aparentes no seu uso, da estética à sensação (algo falsa) de segurança ou de filtrar raios solares nocivos (poucas o oferecem).


A fiscalização, por menor que seja, traz um efeito-exemplo avassalador. Ser parado, multado e obrigado a remover as películas dianteiras para prosseguir é extremamente desagradável. A prudência mostra que isso deve ser explicado aos clientes de carros novos e usados. Em caso de insistência na aplicação nos vidros dianteiros, o vendedor deveria conseguir uma declaração assinada pelo comprador, citando a lei e isentando a concessionária de qualquer responsabilidade, em caso de fiscalização.


Como exemplo de atenção ao tema, a rede JAC Motors já desistiu de oferecer películas nos vidros dianteiros na sua série especial "Brasil”.


Fernando Calmon, engenheiro e jornalista especializado desde 1967, quando produziu e
apresentou o programa Grand Prix, na TV Tupi (RJ e SP) até 1980. Foi diretor de redação da revista Auto Esporte (77/82 e 90/96), editor de Automóveis de O Cruzeiro (70/75) e Manchete (84/90). Produziu e apresentou o programa Primeira Fila (85/94) em cinco redes de TV. 


Sua coluna semanal sobre automóveis, Alta Roda, começou em 1999. É publicada em uma rede de 86 jornais, revistas e sites. É correspondente para o Mercosul do site inglês just-auto. Além de palestrante, exerce consultoria em assuntos técnicos e de mercado na área automobilística e também em comunicação. 

fernando@calmon.jor.br e www.twitter.com/fernandocalmon

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