Poucas coisas são tão dicotômicas quanto a visão de uma picape média no trânsito pesado de uma grande cidade. Uma Chevrolet S10 4x4 em São Paulo, por exemplo, não faz muito sentido - vá lá, tem gente com espírito aventureiro suficiente para não se importar em espremer a picape nas minúsculas vagas e curtos espaços de manobras dos shopping centers da capital. Mas saindo daquele caos a S10 começa a fazer mais sentido.
É interessante como uma cidade não tão distante da capital e ainda situada entre 2 grandes centros urbanos (Jundiaí e Campinas) pode guardar características tão típicas de cidade do interior. O fato de Valinhos fazer parte do Circuito das Frutas do estado explica a quantidade considerável de habitantes do município que ainda vive no campo e ali produz. É com esse cenário que a S10 mais se identifica, justificando o fato de ter sido campeã de vendas do segmento em 2014, superando em mais de 7 mil unidades a segunda colocada, e até fevereiro deste ano mantendo a liderança no mercado. Afinal, a maior parte de seus compradores está em cidades do interior.
O modelo que avaliamos traz o novo motor 2.5 Ecotec Flex que rende até 206 cv e 27,3 kgfm de torque a 4.400 rpm quando abastecido com etanol. Com injeção direta, comando duplo e continuamente variável de abertura de válvulas e sistema de partida a frio sem reservatório adicional de gasolina, o propulsor trabalha de forma exemplar quanto às vibrações e ao nível de ruído, não incomodando mesmo quando exigido a fundo. O trabalho de isolamento acústico da GM na S10, aliás, é digno de nota: ela é silenciosa em movimento como um sedã, e até mais que boa parte deles.
Os números surpreendem no papel. E mesmo que pareça estranho afirmar que um veículo de 5,35 m de comprimento, 1,88 m de largura, 1,83 m de altura e quase 2 toneladas de peso (ou, exatamente, 1.979 kg) é suave ao dirigir ou ágil no trânsito, a S10 corresponde bem a essa descrição. Você vê as imperfeições no asfalto lá na frente e já pensa: "Vai pular". E não pula, ela passa tranquila, suspensão suave, pouco ou nenhum sacolejo. O casamento do motor com o câmbio de 6 marchas, por sua vez, permite acelerações próximas às de um carro de passeio pequeno, tornando-a bem divertida de dirigir no meio dos outros carros: ninguém fica na frente.
Mas, vá lá, ainda estamos numa picape. Direção hidráulica e câmbio são um pouco pesados. Na estrada as retomadas não são tão ágeis, sendo preciso reduzir tanto para ultrapassar quanto para enfrentar subidas. A vantagem é que, com este motor, ela ficou mais econômica do que com o 2.4 Flex que equipa as versões de entrada e até do que pensaríamos que ela seria. A média de consumo ao final do teste, medida pelo sistema "tanque-a-tanque" na cidade e na estrada, ficou em 8,9 km/l de etanol. Com a imensa capacidade de 80 litros no tanque de combustível seria possível, teoricamente, andar 712 quilômetros antes de reabastecer.
Tendo rodado o suficiente no asfalto, a tração nas 4 rodas precisava ser posta à prova. O problema é que por causa do escoamento da produção de frutas as estradas de terra da zona rural de Valinhos são geralmente bem conservadas. O máximo que deu pra sentir a princípio foi o trabalho da suspensão para absorver o impacto causado pelas "costelas-de-vaca" nos trechos percorridos; sacudiu um pouco, mas nada além do previsível. Até que o céu ficou preto de repente e uma chuva daquelas despencou; era exatamente o que estávamos esperando. Alguns trechos e ladeiras se tornaram bem escorregadios e conseguimos avaliar, de uma só vez, o sistema de auxílio de saída em rampas e os controles de descida, de tração e de estabilidade da S10. Mas tudo funcionou tão bem que a coisa continuou sem graça.
Foi um telefonema do pai de nossa assistente de fotografia que salvou o dia. "Filha, atolei a picape. Você conhece alguém que possa vir ajudar a desatolar?" O curioso é que ele tem 2 picapes S10, uma cabine dupla igual à avaliada mas com tração 4x2 e outra com cabine simples, modelo antigo, justamente a que ficou encalhada no barro. Levamos a "nossa" até o sítio, cordas devidamente atadas, tração acionada, 3 aceleradas na grama escorregadia e pronto, picape desatolada. Isso, com a reduzida sequer entrando em ação.
Valente, então, ela é. Mas começamos esta avaliação falando sobre trânsito urbano, situação da qual não dá pra fugir. E se o futuro proprietário não for fazendeiro? E se ele precisar de um veículo para uso predominante no asfalto? E se ele estiver pensando em comprar um sedã médio topo-de-linha? Nesta hora a S10 se defende com uma lista de equipamentos de série digna de carro de luxo: ar condicionado digital, revestimento de bancos, portas, alavanca de câmbio e volante em couro, direção hidráulica com coluna regulável em altura, computador de bordo, controlador de velocidade, vidros elétricos com one-touch, retrovisores com regulagem elétrica, travas elétricas com levantamento automático de vidros, alarme, banco do motorista com regulagens elétricas, faróis com ajuste de altura, lanternas de led, sistema multimídia MyLink completo (áudio, CD/DVD/MP3 player, entradas auxiliares, Bluetooth, GPS, câmera de ré e comandos no volante), sensor de estacionamento traseiro, os já citados controles de tração, estabilidade e descida, auxílio às partidas em rampas, ABS com EBD e airbag duplo. O acabamento deixa um pouco a desejar, com boa qualidade de montagem mas plásticos em excesso. O espaço interno, por outro lado, é surpreendente.
Entender por que a S10 agrada tanto não é difícil. Dá pra dizer sem medo de errar que a picape é uma síntese de tudo o que o consumidor deste tipo de veículo procura: força e suavidade, imponência e conforto. O preço da versão avaliada, batizada com o extenso nome de Chevrolet S10 Cabine Dupla LTZ 4x4 2.5 Ecotec Flex, é de R$ 107.500,00 no site, incluindo a pintura metálica. Para a região de Valinhos o Itaú Seguros cotou a apólice em R$ 3.899,00, com franquia de R$ 5.573,00. Antes que digam que a comparação não é viável, o preço não muito superior ao de algumas versões de topo de sedãs médios de nosso mercado a coloca, sim, como alternativa para consumidores que não sofrem com o caos urbano. É preço superior que compra mais espaço para ocupantes, muito mais espaço para carga e desenvoltura para enfrentar terrenos difíceis sempre que preciso.
Fotos: Maximiliano Moraes
Colaboraram: Eliane Fernandes / Aguiar Corretora de Seguros
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