sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O QUE É RACIONAL NO TRÂNSITO?
















Dirigir numa cidade como São Paulo é difícil demais. Muito carro, muita gente, muito barulho, muita agitação a qualquer hora do dia. O trânsito aqui é absolutamente imprevisível. Várias vezes, em viagens que precisei fazer, tomei a decisão de sair tarde da noite, a fim de evitar o trânsito, e acabei preso em congestionamentos dignos de horários de rush. Ainda assim, a prática da direção não é a coisa mais difícil em Sampa. Costuma-se dizer que o bom motorista dirige para si e para os outros, mas na terra da garoa esta máxima deve ser aplicada exponencialmente.

Talvez o que dê mais trabalho no trânsito é manter o bom humor. Sim, porque não há humor que resista a tantos congestionamentos, tanta poluição, tantos motoqueiros (nada contra a classe, mas tudo contra o buzinaço que estes promovem – ainda que justificável) e tanta agressividade a cada esquina. Não falo necessariamente das agressões físicas, que já foram assunto de reportagens diversas em telejornais, mas das agressões não noticiadas, as fechadas gratuitas, os xingamentos, os dedos do meio levantados que todos sabem o que significam, as perseguições desnecessárias para descontar a fechada que o fulano levou ali atrás... Não fiz nenhuma pesquisa, mas posso afirmar categoricamente que a maioria dos cidadãos desta grande metrópole considera o trânsito como uma das causas principais de estresse e outros sintomas decorrentes.

Não se pode eximir a culpa de um sujeito que, no trânsito, xinga, ataca ou agride outro por qualquer motivo irrelevante. Mas sabe da história do cara muito calmo que pode se tornar um “animal” enquanto dirige? Sinceramente, não o condeno; a questão é saber o que o levou a tais atitudes. Numa sociedade que frisa e noticia os erros mas se esquece com frequência dos acertos, acredito que é bom exercitar a compreensão antes de lançar qualquer tipo de julgamento.

Imagine uma rotina assim: Alderivan (nome fictício), pai de família e esposo dedicado, sai de casa de manhã cedo depois de uma noite razoável de sono. Fato é que ele e sua família estão precisando de férias; as crianças estão cansadas do ano letivo, a esposa está cansada do trabalho doméstico, de ter que cuidar das crianças e de tentar ser boa esposa, e ele mesmo está cansado de tanta cobrança no trabalho, de tanta conta, de tanto esforço para crescer e tanta dificuldade para conseguir. Mas vá lá, a vida continua – e Alderivan sai, motivado até, para um novo dia.

Mas, virando a esquina, ele já depara com o primeiro obstáculo do dia: o trânsito. Caótico, paradinho. Carros se esgueirando para tentarem furar a fila, motoqueiros buzinando sem parar, o ônibus parado no ponto, a velhinha subindo e o sujeito de trás buzinando e gritando para o motorista sair do caminho. Sem problema, Alderivan ainda está de cabeça fria. Devagar e sempre, dando seta e pedindo passagem, ele consegue chegar até a faixa que está andando mais. Acelera, mas logo leva uma fechada. Freia, mas não reage. Continua seguindo. Leva outra fechada, desta vez mais perigosa. Leva um susto, quer xingar, mas se lembra que o dia está somente começando. E a faixa, que antes era a mais fluida, agora tem uma senhora andando a menos da metade da velocidade permitida. Ele dá seta, tenta mudar de faixa para ultrapassar, mas não consegue: todos os motoqueiros de São Paulo resolveram passar exatamente naquela hora, num buzinaço frenético e irritante.

E ele continua. Está perto do serviço. Entra no bairro; a rua de acesso é estreita, mas muitíssimo movimentada. Sinal fechado. Está quase na hora de bater o ponto: Alderivan se preocupa. Sinal abre, ele acelera, mas um carro importado o corta pela direita e embica na sua frente, quase provocando uma batida. Pensou num palavrão, mas relevou outra vez. E chegou, enfim. Atrasado.

Pois bem. Imagine o que Alderivan passa durante o dia, todos os sapos que tem que engolir, todos os imprevistos familiares e financeiros. Na volta para casa, ele pode enfrentar um congestionamento ainda pior que o da ida. Depois de um dia terrível, Alderivan pode acabar passando de pacato pai de família a agressor desmedido e desequilibrado – tudo culpa do estresse. Como já disse, é óbvio que não se pode colocar panos quentes sobre os relatos de agressões e abusos no trânsito cometidos por pessoas realmente violentas, transgressores convictos. Mas ninguém anda com um “violentômetro” ou um “transgressômetro” no carro; por isso, ninguém pode julgar a personalidade ou a motivação de uma pessoa para qualquer barbaridade que ela venha a cometer.

Desta forma, considerando que nunca sabemos o que vai nos acontecer no trânsito nem quem são os motoristas, tomei uma decisão: não vou mais me estressar. Tanto para evitar a confusão com o indivíduo naturalmente violento quanto para minimizar as conseqüências do estresse do camarada que reagiu mal à pressão. Também estou sujeito a todas as mazelas de uma vida corrida; também sou casado, pai de família e com emprego normal. Mas acredito, sinceramente, que várias coisas em nossa vida podem melhorar baseadas em simples atitudes, decisões que todos podemos tomar. Assim como a política, a economia e a sociedade, de forma geral, podem ser influenciadas pela mobilização dos cidadãos, creio que, a começar de mim, existe, sim, a possibilidade de convivermos melhor no trânsito – não importa quão agitado e congestionado ele seja.

Decidi não mais responder a nenhuma provocação ou xingamento. Resolvi que não vou correr atrás de pessoas que me fecham só para retribuir na mesma moeda. Entendi que não adianta nada fazer birra e não deixar o motorista folgado entrar na minha frente, cortando a fila; isso só vai criar o risco de um acidente ou coisa pior, e, afinal, eu posso chegar alguns segundos mais tarde. Cheguei à conclusão que buzinar ou dar farol alto para as pessoas que andam devagar nas faixas de velocidade não vai torná-las mais atentas ou melhores motoristas. Não vou mais me importar se alguém não der seta antes de alguma conversão, nem se não respeitar as preferências em um cruzamento: vou ficar mais atento e simplesmente frear. E, ainda assim, se com todas essas atitudes, eu ainda não conseguir me livrar de um acidente de trânsito, decidi respirar fundo, contar até 10 e ser educado com o outro motorista; afinal, a educação é luva de pelica.

Não quero ser nenhum mártir, não quero despertar nenhum sentimento revolucionário nem parecer perfeito; isso eu não sou mesmo. Ainda assim, acredito muito na teoria da transformação via “cada um fazendo sua parte”, mesmo que não haja nenhuma campanha de conscientização e nenhum reconhecimento por isso. Estou tentando melhorar para o meu próprio benefício e isso não é egoísmo: diz respeito ao bem comum – e eu faço parte do bem comum. Em minha opinião, isso vai muito além da vontade de tirar vantagem de alguma coisa, de me dar bem mesmo que, para isso, alguém se dê mal. Pelo contrário, essas atitudes são uma sequência de renúncias que acabam formulando um benefício muito maior que todas elas.

Quisera todos pensassem assim. Você, o que pensa disso?

5 comentários:

  1. nao concordo. pedir que cada um faça a sua parte sendo passivo é o cúmulo. Cada um deveria fazer a sua parte cobrando do governo, protestando e reivindicando os seus direitos. Vamos cobrar mais empenho das autoridades na fiscalização (séria), vamos pedir sistemas de gestão de tráfego mais eficientes, mais cuidado na emissão de CNH's, vamos cobrar melhores vias,etc. Mas, baixar a cabeça e aguentar a situação do jeito que está... não precisa pedir, o latinoamericano é manso e aguenta tudo calado sem ordens.

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  2. A idéia não foi falar de leis aqui, amigo. Foi falar de REAÇÕES NO TRÂNSITO. Não se pede para a justiça tomar conta de nossas reações, porque ela só será aplicada DEPOIS que houver uma briga, um acidente, talvez uma morte. A intenção é EVITAR as brigas, acidentes e mortes baseado no princípio do bom senso e da paciência, ou seja, entendendo que reações violentasa provocam outras reações violentas, mas as reações calmas podem desarmar as pessoas.

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  3. Seu texto acabou sendo contraditório, pois explicou de forma clara o que leva uma pessoa normal a agir de forma violenta. Não adianta pedir paciência, ela tem limites. Só não botamos pra fora toda a nossa raiva pq temos os nossos limites, afinal, quem nunca fantasiou ter uma arma e eliminar pessoas/veiculos que nos chatearam no transito? O que nos segura é o medo das consequencias, mas alguns chegam a um estágio de ira que rompe qualquer temor acerca de consequencias futuras. Aí é que está, será que precisamos passar por testes todos os dias? A medida da paciencia pra voce, pode ser mais ou menos do que pra outra pessoa. Tem gente que suporta provocações que você nao suportaria nem mesmo dopado e tem gente que não suporta até um pedido de licença. Então, acho complicado pedir calma, geralmente quando se pede calma, é pq tem algo errado. Que tal tentar corrigir o que está errado para nao ter mais de pedir calma?

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  4. Você vai conseguir corrigir o caráter e a personalidade de uma pessoa através da lei? Se conseguir, me explique como.

    Por enquanto, EU FAÇO A MINHA PARTE. Se o meu limite de paciência é maior, posso exercitá-lo para que se torne ainda maior. E uma pessoa que tem pouca paciência pode exercitá-la para que ela aumente. Isso é uma questão de DECISÃO, não de aplicação de leis. Qualquer pessoa educada e esclarecida o suficiente vai entender que atitudes somadas geram o todo. Mais passivo é aquele que espera que outros façam o que ele mesmo pode fazer - como o que atribui a responsabilidade da correção do trânsito somente às leis. Não adianta nada eu pedir às autoridades que façam a parte dela se eu mesmo continuo atrapalhando o serviço deles com meus atos insanos. Sim, eles têm que fazer a parte deles, mas o texto fala sobre A MINHA PARTE. E se eu não fizer a minha parte, o trabalho deles será nulo.

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  5. Se você analisar bem, vai ver que as leis existem para serem cumpridas. Não as cumprem quem não quer. Se a obediência às leis precisasse ser sempre forçada, o bom senso não precisaria existir. Creio que a contradição acabou ficando contigo, porque É CLARO que se alguém pede calma é porque há algo errado - porém, o texto não aborda a ineficiência das autoridades, e sim, os excessos por parte dos motoristas. NENHUMA AUTORIDADE será capaz de promover o bem comum se não houver cooperação por parte da comunidade.

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