terça-feira, 27 de setembro de 2016

O AUTOMÓVEL EM APENAS PARTE DO TRAJETO É NOVA APOSTA DA FORD


Ford divulga compra da Chariot, startup de compartilhamento de transporte por vans, e fomento à Motivate, gestora de bicicletas compartilhadas, criando a Ford Go Bike

Nas últimas semanas duas notícias balançaram o mundo automotivo no que podemos chamar de visão de médio-longo prazo. A Ford expôs ao mundo seu planejamento futuro ao concretizar a compra da Chariot e ao divulgar o fomento à Motivate para criar o Ford Go Bike.


Baseada em São Francisco (Califórnia, EUA), a Chariot é uma startup que oferece compartilhamento de transporte por vans em trechos e paradas customizáveis. É como se o ônibus do dia a dia se comportasse feito um Uber Pool, aquele em que as pessoas dividem o carro no mesmo trajeto ao mesmo tempo. Isso significa customizar o uso do transporte de massa, deixando o usuário definir horário, trajeto e pontos de parada. Também de São Francisco, a Motivate é a maior gestora de bicicletas compartilhadas dos EUA, com sistemas implantados em diversas cidades do país. Comemorou recentemente ser administradora de bike-sharing em 14 das 50 melhores cidades para usar a bicicleta, em selo conferido pela revista especializada Bicycling. 

E o automóvel?

O automóvel vai bem, mas vai menos. Justamente por isso parece que, enfim, teremos a solução para problemas urbanos crônicos, corriqueiros desde a década de 1970. A clássica imagem de avenidas abarrotas de automóveis, os famosos edifícios garagem que já foram sinal de desenvolvimento e o céu cinza de fumaça das grandes metrópoles parecem estar com os dias contados. 

A aposta em transporte mecanizado de massa e a restrição do transporte particular e das áreas de estacionamento nos grandes centros bem tentaram redesenhar o cenário, mas esmoreceram ao propor soluções engessadas para demandas flexíveis. Novas soluções já em prática, como o Uber, viabilizam modelos de transporte mais customizáveis que metrô ou ônibus, e sem a necessidade de portar o veículo nem a obrigatoriamente seguir com ele até o fim do percurso ou retornar para coleta-lo onde foi deixado, como as soluções de transporte próprio.

O novo desenho de mobilidade não se diferencia muito do que tentamos há algumas décadas: usar cada veículo no máximo de sua eficiência e dispensa-lo onde pode ser um incômodo. A diferença hoje, amparada pelas ferramentas de conectividade, está em procurar soluções mais fáceis em vez de tornar difíceis as soluções mais cômodas. Partimos, portanto, de estacionamentos junto a terminais integrados de ônibus e metrô para o compartilhamento, individual ou coletivo, de equipamentos como automóveis, vans e bicicletas. E é aí que se apoia a aposta da Ford.

No meio de todo este sistema o automóvel vira uma parte, e não uma alternativa para o trecho todo. Deixa também de ser a privatização clara de parte do espaço urbano ocupado para se tornar uma peça compartilhada (com ou sem motorista próprio) integrada aos outros modais de transporte instalados, atendendo à necessidade específica do usuário naquele momento.

Privado x Público

O automóvel, com ou sem motorista, já está sendo compartilhado, assim como a bicicleta e a van, permitido usar de modo privado um bem do qual não se tem propriedade. E melhor, deixando este bem para outro usuário dar sequencia no uso, otimizando sua operação e se isentando de problemas como manutenção, da agenda de impostos e do custo operacional enquanto parado. Consome-se assim o serviço, sem a compra do bem.

Sistemas compartilhados e multimodais de transporte tem se tornado a aposta da iniciativa privada e um problema para o poder público. As corporações já reconheceram que a ameaça do compartilhamento precisa ser transformada em oportunidade de negócio. Mais sistemas compartilhados significam menos veículos vendidos, e as automobilísticas não tem intenção de virar história como viraram fabricantes de máquinas de escrever, por exemplo.

Partindo da premissa que é dever do Estado proporcionar a mobilidade, encontramos um problema que atinge precisamente a visão de políticas públicas. Nota-se como a velocidade das companhias para sobreviver tem levado a esfera privada a encontrar soluções que ideologicamente seriam competência estatal. Resta saber como será este controle em economias menos liberais que a norte-americana e como, nessas economias, Executivo, Legislativo e Judiciário conseguirão se organizar para atender e regulamentar os novos serviços evitando movimentos predatórios de mercado.


PRÓXIMOS DESTINOS é uma coluna quinzenal. Propõe um olhar à frente, junto à nova economia, à hiperconectividade e aos novos arranjos sociais.

Alberto Martins é técnico em Mecânica, Designer de Produtos, MBA em Gestão de Projetos, entusiasta de história, sociedade e antigomobilismo, e apaixonado por novas tecnologias e novas possibilidades do dia a dia.


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